Quando eu comecei a escrever, em abril de 1985, eu fazia um pouco de quase tudo – romances, contos, crônicas, poemas livres. Saía escrevendo sem me preocupar com gêneros, que eram definidos depois: ficou em verso, é poema; ficou curto, é conto; ficou maiorzinho, é romance; ficou curto e tem relação com a realidade, é crônica. Como eu não sabia aplicar as formas características de cada gênero, o critério era assim, bem simplório mesmo. Mas, com o passar dos anos, à medida em que eu ia aprendendo a usar as formas, eu fui abandonando uns gêneros, e outros foram me abandonando. A crônica foi a primeira, porque não levo jeito para falar da realidade. Depois foi a poesia, porque versos livres facilmente se tornam prosa. O último que eu deixei de lado foi o conto, quando eu percebi que não sei usar bem as características formais dele. Também era necessário focar para aperfeiçoar. E assim, me sobrou escrever romances. É claro que não estou proibida de escrever outros gêneros – outro dia mesmo, escrevi O Além em forma de conto – mas meu cérebro vem se programando ao longo dos anos para pensar em forma de romance.
Quando eu comecei a escrever, em abril de 1985, o texto não era para ser lido, mas apenas um roteiro para que eu soubesse contar a história. Era simplesmente uma narração dos eventos, sem descrições, sem diálogos. Então, às vezes, aconteciam coisas assim: “eles conversaram a noite toda e resolveram se casar”; ou assim : “Sílvia ligou para Charles e eles combinaram de se encontrarem no Shopping. Passearam, foram ao cinema, lancharam e Charles deixou Sílvia em casa” (o verdadeiro não é exatamente assim mas é bem parecido); e a grande pérola é uma cena de Sahara, onde está escrito apenas “cena do balcão ou noite da sacada” para resumir uma das cenas mais importantes de toda a história; nela havia ações e diálogos fundamentais para o desenvolvimento da trama e, depois de 28 anos, obviamente não lembro mais dos detalhes para contar como foi essa cena. Com a experiência, percebi que o texto tinha que “ficar de pé sozinho”, e que tinha que funcionar para leitura de outras pessoas, então fui acrescentando descrições e diálogos, além de detalhes à narração. Nunca fui boa para escrever descrições estáticas, além de achar a leitura delas cansativa. Gosto de descrever ação, e contar o que as pessoas estão conversando, então foi o que busquei desenvolver e aperfeiçoar. Além disso, é no encontro e na conversa que as relações humanas acontecem, e são elas que me interessa mostrar. Hoje é difícil alguém pegar um livro meu sem comentar imediatamente “nossa, quantos diálogos!” No começo, essa observação me assustava um pouco, e eu ficava pensando “puxa, será que focar nos diálogos é errado?” mas hoje vejo como um elogio: meu estilo é facilmente identificado. É uma característica que venho desenvolvendo na minha escrita: a capacidade de dar todas as informações necessárias ao leitor durante as conversas das personagens. Meus diálogos vêm ganhando consistência e conteúdo, e se tornam fundamentais para a história. Toda vez que não tenho como montar um diálogo para dar a informação, e preciso dá-la pelo narrador, fico com a impressão de estar sendo didática e maçante. Prefiro ouvir a voz das personagens, em vez do chato do narrador. Dessa forma, não estou mais contando a história daquelas personagens, mas mostrando o que está acontecendo com elas. Fica mais visual. Acho mais eficiente e mais agradável. Penso que meus leitores concordam comigo.
Quando eu comecei a escrever, em abril de 1985, queria mudar os rumos da literatura nacional e ser imortal da Academia Brasileira de Letras. O tempo me mostrou que há espaço no mundo para todo tipo de contador de histórias, e todos eles têm sua importância. A experiência me fez reconhecer que há muitos escritores melhores do que eu mudando os rumos da literatura nacional, e que pertencer à ABL não é a única glória do mundo. Hoje quero apenas contar minhas histórias do meu jeito, e encontrar leitores para elas. Gosto de ter feedback, inclusive para ouvir “não gostei” e “queria um final diferente” e o recente “esse deus-ex-machina que você usou ficou muito forçado”. É bom saber que as pessoas leem com atenção, se apegam às personagens, e criam expectativas de final.
Quando eu comecei a escrever, em abril de 1985, tinha medo de que fosse só uma fase, e que as ideias acabassem um dia. Hoje sei que é uma fase, sim, mas uma fase bem longa, que já dura 28 anos, e que ainda vai durar a vida toda.