Após o lançamento de Primeiro a honra, em julho último, fui entrevistada por Rainer Guggenberger, estudante de filosofia austríaco (xii, não sei de que universidade ele é…) Foi uma experiência nova e intrigante, pois ele buscou relacionar meu texto a textos de autores da literatura e da filosofia internacional – algo que eu não faço conscientemente. Para responder às questões dele, tive que refletir e buscar explicações para coisas que eu simplesmente fiz sem pensar. Foi um desafio e tanto, que agora começo a dividir com vocês. Não poderei publicar a entrevista inteira, porque, em algumas respostas, eu falo de aspectos importantes do meio e da conclusão do livro, e estragaria o prazer do leitor descobrir tudo por si mesmo, ou de me esperar contar. São ao todo 23 perguntas, mais considerações finais, então vou publicando um pouquinho de cada vez, e somente as perguntas mais gerais, que não contam o fim do livro.
1) Você tem a sua própria editora chamada MôniCadorin que oficialmente se chama “Edição do Autor”? Como é publicar no Brasil um romance por conta própria? Qual é o seu motivo e qual é o seu objetivo ao publicar os seus romances?
Sim, eu faço publicação independente, por minha conta, sem editora (empresa). Sou cadastrada na Agência Brasileira do ISBN como editora-pessoa-física, o que me permite ser editora de meus próprios livros. Como já tive uma editora (empresa familiar) e eu era a responsável por toda a produção editorial e gráfica – ou seja, pela produção do livro propriamente dita, depois que minha editora fechou, escolhi continuar eu mesma cuidando da publicação dos meus livros. Para mim, a parte mais difícil de todo o processo é a divulgação e a distribuição, uma vez que não sou empresa e, portanto, os meios utilizados pelas editoras não se abrem para mim.
Percebo que o mercado editorial no Brasil, atualmente, é composto por 1) editoras chamadas “grandes”, que escolhem que livros vão publicar e arcam com todos os custos. Em geral, elas publicam autores consagrados, sejam nacionais ou estrangeiros, pois dependem do sucesso de vendas para conseguirem recuperar seu investimento, uma vez que trabalham com grandes tiragens (acima de 2000 exemplares) para reduzirem o custo unitário do exemplar impresso. 2) editoras chamadas “pequenas”, que podem ser contratadas pelos autores para terem seus livros publicados. Nesse caso, o autor paga pela publicação de seu livro, e a editora entra com todos os serviços, desde a revisão do texto até a distribuição e venda nas livrarias. Essas editoras trabalham com tiragens pequenas (abaixo de 500 exemplares), conforme os pedidos do autor e das livrarias. 3) editoras chamadas “on-demand”, que fornecem espaço para o autor divulgar seu livro na internet. O próprio autor faz a diagramação e a capa, e utiliza ferramentas no site da editora para preparar seu livro. Nesse caso, os livros são impressos um a um, conforme as vendas do site, e somente nesse caso autor e editora recebem. Como a tiragem é unitária, o preço do exemplar fica bastante caro. 4) a outra alternativa que o autor tem, portanto, é ser seu próprio editor, e foi o caminho que eu escolhi. Nesse caso, é importante que o autor tenha uma rede de leitores formada, e eu considero prudente trabalhar com tiragens pequenas, conforme a expectativa de venda.
A expressão “Edição do autor” é exigência da Agência do ISBN, pois, uma vez que eu não me constitui em empresa, não me cabe usar oficialmente um nome-fantasia. É por isso que, na folha de rosto e na ficha catalográfica constam essa expressão, enquanto que, na capa, onde eu posso “inventar”, me dei ao direito de usar minha assinatura (MôniCAdorin – que é uma contração de Mônica de Almeida Cadorin) e a logomarca que tinha sido feito para minha editora (que fechou antes de usar a marca).
Publicar meus romances para mim é consequência de escrevê-los. Não posso negar que é realização de um sonho ver a ideia que eu tive e escrevi sendo lida e comentada pelas pessoas. É gratificante ver amigos, colegas e até pessoas que não conheço pessoalmente envolvidas com uma história que eu escrevi, e isso só é possível com a publicação. Eu acho cansativa a leitura na internet, e acho que o livro de papel ainda tem lugar no imaginário das pessoas; por isso gosto de publicar em papel. Com o desenvolvimento da tecnologia do e-book, penso em estudar o assunto e talvez lançar meus livros também nesse formato, sem abrir mão do papel, pelo menos por enquanto.
2) Não entendo por que o romance tem o copyright do ano 1996. Tem a ver com o fato de que no fim do livro você datou 9/8/95? Foi quando você começou a escrever o romance ou quando terminou de escrever? O livro foi impresso no ano de 2010, mas foi lançado na metade de 2011. Qual foi a razão?
Essa questão das datas realmente parece confusa, não? Essa história foi criada em 2 de junho de 1995; eu comecei a escrever em 4 de junho de 1995 e terminei de escrever em 9 de agosto de 1995 (data no final do livro). Seguindo as minhas próprias regras (veja o texto do meu blog), a história ficou guardada por um ano, depois do qual, eu reli, considerei boa e digitei. Quando estava pronta, levei para o Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional e a registrei (data do copyright – 1996). Em 2010, comecei o processo de publicação com o registro do livro na Agência Brasileira do ISBN, mas a publicação só ficou pronta no início de 2011, pois, depois do registro, é necessário ainda pedir a ficha catalográfica, revisar a diagramação, conferir as medidas da capa, mandar os arquivos para a gráfica e receber o livro impresso, e tudo isso levou tempo. Ainda tive alguma dificuldade em escolher o local para o lançamento, e precisei de tempo para planejar e organizar todo o evento, por isso o lançamento só aconteceu em julho de 2011. O intervalo de tempo entre o registro e a publicação se deveu ao fato de que, em 1996, eu não tinha uma editora que fizesse a publicação para mim, e ainda não tinha tido a experiência de ter uma editora própria. Com a minha extinta editora, publiquei meus seis primeiros livros, entre 2002 e 2008 (todos escritos antes de “Primeiro a honra”) e foi preciso primeiro definir se a editora ia mesmo fechar para que eu pudesse decidir se faria a publicação por minha conta ou se procuraria uma outra editora que fizesse o trabalho.
3) Você escreve no prefácio que a sua história tem relação com você mesma, porque foi motivada por um sonho seu, de que, entretanto, não se lembra mais. Você sonha todas as suas histórias dos romances? Você acha um romance mais autêntico sendo em parte um fruto de um sonho?
Todas as minhas histórias têm muito de mim. Todas são símbolos do meu inconsciente, que consegue assim se expressar e sublimar suas angústias. Tenho muitas histórias que me vêm em sonhos, mas não todas. O sonho é apenas uma ferramenta, mas não a única, nem a melhor. Uma história baseada num sonho não é mais autêntica do que uma ideia que me venha acordada, inclusive porque todas as ideias são elaboradas e trabalhadas até virarem uma história coerente, com estrutura completa, personagens interessantes, ambientação detalhada, e tudo o que é necessário para se contar bem uma história.
4) Você confessou que em parte o seu romance nasceu como releitura de uma outra história mais antiga. Como se chama? foi publicada?
A história mais antiga se chamava simplesmente “Idade Média”. Foi criada em fevereiro de 1986 e chegou a ser escrita. Nela, a personagem feminina se casava com seu prometido (já que o amado morria), mas só conseguia se sentir feliz quando arranjava outro para ocupar o lugar de seu amado, configurando portanto adultério. Tinha algumas falas interessantes, mas era muito inconsistente e tinha problemas graves de caracterização e, por isso, encontra-se hoje descartada (ou seja, guardada numa caixa marcada para não ser publicada). A releitura do tema não foi intencional. Às vezes acontece no meu processo de criação: uma história que não deu certo retorna com uma roupagem diferente para trabalhar o mesmo tema que, nesse caso, é a perda do amado e a superação dessa perda. Os problemas vividos por Isabelle (de Idade Média) e por Rosala (de Primeiro a honra) são muito diferentes, e também as soluções que elas encontram, mas as duas conseguem encontrar um novo amor que, se não ocupa completamente o lugar deixado pelo amor que se foi, pelo menos as faz acreditar que ainda é possível amar.
5) Você situa a “história na época dos reis merovíngos, quando, após a queda do Império Romano, o Ocidente se reorganizava em civilização.” Há varias épocas na história quando uma parte do mundo “se reorganizava em civilização”. Porque você escolheu ambientar a história no quinto século depois de Cristo na região de Paris, de Órleans e de Soissons? Fez também parte do seu sonho? Você fez a sua pesquisa só no Brasil considerando somente fontes escritas ou traduzidas em português?
Quando inventei, essa história acontecia lá pelo século XIII, ou XIV, em Orléans, Reims e Paris. Mas, no meu processo de escrita, depois que a estrutura e a caracterização estão prontas, eu cuido de estudar o ambiente escolhido, e foi quando achei que já tinha inventado e escrito (embora quase tudo já estivesse descartado) muita coisa nessa época pós-carolíngia e eu sempre tive vontade de ambientar uma história na época pré-carolíngia, então achei que era minha chance de realizar esse desejo. Tenho um vínculo afetivo forte com a França e com a Idade Média, talvez pela forma como o assunto me foi apresentado na escola, ou pelos contos de fadas lidos na infância, ou pelos livros e filmes de fantasia, cujo imaginário sempre é a Europa medieval, ou por tudo isso junto. Então, quando tenho uma ideia que precisa ser ambientada no passado, meu primeiro destino é a França Medieval. Se a história ficar boa, então procuro outro lugar e outra época possíveis, para não ficar sempre falando das mesmas coisas, mas às vezes o vínculo entre caracterização e ambientação é tão forte que não consigo quebrar, especialmente num caso como esse, que eu descobri que era releitura de uma história mais antiga, que se passava na França durante a Idade Média. Achei que seria interessante escolher um momento em que a estrutura da legislação não fosse tão forte, e que assassinatos pudessem ficar socialmente impunes, restando ao ofendido apenas a alternativa da vingança, e me pareceu que um reino em construção me ofereceria essa possibilidade – por isso os primeiros anos do reinado de Clodoveu. Paris era necessária por ser a capital do reino, onde estaria Toulière, cavaleiro do rei. Estudando, descobri que a capital de Clodoveu era Soissons, então movi o alvo para essa cidade. Diante disso, não podia mais usar Reims, pois fica muito perto de Soissons, e eu queria que Rosala fizesse uma pequena jornada entre a casa de Rudbert e o objetivo de sua vida. Como Paris já vinha sendo usada, a família de Rudbert deixou de ser Rèmi para ser Parisii. Orléans me servia por ser uma cidade que existia na época, fica a sul tanto de Paris como de Reims e Soissons, e perto da fronteira do reino. Nenhuma das cidades estava no meu sonho, e nem mesmo a época: são escolhas conscientes que eu faço depois, quando estou transformando o sonho em história. A pesquisa é feita mesmo toda no Brasil, com o auxílio da maravilhosa internet, que me fornece textos em português, inglês e francês (nesse caso específico, eram as línguas que me interessavam), além de imagens das cidades e da paisagem, e mapas atuais e da época que estou estudando. Também pesquisei em livros sobre história da moda, para saber o que as pessoas estariam usando – isso era muito importante para ajudar na caracterização contrastante de Rosala e Ailan. Conto também com minha formação em história da arte, que me permite conhecer a arquitetura e os objetos decorativos da época, além de noções de história, sociologia, filosofia e religião, que eu complemento com leituras específicas sobre as datas e cidades escolhidas.
Foi bom conhecer um pouco do seu trabalho, Escritora Mônica. Desejo que o seu sucesso continue sempre em alta. Abraços.