Trecho

Amnésia – trecho

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I

Ele abriu os olhos devagar. Parecia estar saindo de um coma. O corpo parecia pesar uma tonelada. Ou talvez nem tivesse um corpo… Olhou em volta devagar mas nada era familiar. Então alguém segurou sua mão e uma voz de mulher falou à sua frente:
– Oi, está tudo bem agora.
Agora? -ele pensou- Por que só agora? Antes não estava? Antes? O que é antes?
Ele respirou fundo e tentou se mexer para livrar-se do torpor. A enfermeira, a seu lado, falava ao telefone coisas como “acordou”, “médico”, “família”.
– O que aconteceu? -ele conseguiu dizer.
– Você passou mal e seus pais o trouxeram para o hospital. O médico logo estará aqui para te explicar tudo direitinho.
– Eu não me lembro de ter passado mal.
– É assim mesmo.
Um homem alto, de quase quarenta anos, aproximou-se da cama e cumprimentou seu paciente com um sorriso:
– Boa tarde, senhor Marcelo. Como está se sentindo?
O paciente não respondeu. O médico esperou alguns segundos e falou de novo:
– Eu sou Maurício Santiago, neurologista. Fico feliz que o senhor tenha acordado.
– O que aconteceu?
– O senhor esteve em coma por quase duas semanas. Fizemos vários exames mas não encontramos nada de errado. O senhor se lembra se teve algum aborrecimento nos últimos dias?
– Não, não me lembro. Não me lembro de ter passado mal. Não me lembro de ter família. Não me lembro de me chamar Marcelo.
O médico procurou não expressar seu susto:
– De que se lembra?
O paciente pensou um pouco e respondeu:
– De nada.
– Bem, vamos repetir alguns exames, então, mas deve ser uma amnésia temporária. É muito comum em casos de coma. O cérebro às vezes volta a funcionar devagar. Aos poucos, o senhor vai se lembrando de tudo: não se preocupe. Seus pais logo estarão aqui.
– O que há de errado comigo?
– Vamos fazer alguns exames amanhã para ver isso.
– É muito incômodo não ter referências.
– O senhor esteve em coma por doze dias. Seu córtex… “desligou!. Aos poucos, ele vai refazer as ligações, e as informações vão voltar. Eu preciso testar seus reflexos agora.
– Claro. O senhor é o médico aqui: o senhor manda -respondeu bem-humorado, apesar de tudo.
O médico examinou o paciente e não havia nada de errado. Ele parecia estar somente acordando de um longo sono.
– Sente alguma dor? algum desconforto?
– Não.
– Então vamos livrá-lo de todos esses fios e sondas e vamos levá-lo para o quarto. Vou assinar uns papéis e logo os enfermeiros estarão aqui.
– Isto aqui é uma UTI?
– É.
– Eu estava tão mal assim?
– Ao contrário: todos os exames deram resultado normal, então não quisemos ter surpresas.
– Quer dizer: deu tudo normal e mesmo assim eu estava em coma. Nunca houve motivo físico para eu estar em coma.
– Isso.
– Então por que eu entrei em coma?
– Seu córtex precisou desligar por uns dias.
– Por quê?
– Vamos tentar descobrir. Mas um passo de cada vez. Hoje o senhor já deu um passo enorme saindo do coma. Seja paciente consigo mesmo. Toda recuperação costuma ser demorada.
O paciente fez que sim com a cabeça, resignado, e o médico saiu para tomar as providências necessárias. Logo dois enfermeiros vieram preparar o paciente para ser transferido para um quarto.
O médico entrou no consultório em que um casal o esperava.
– Por que não podemos vê-lo, doutor? O que aconteceu com ele? -a mulher perguntou logo, muito aflita.
– Calma, Dona Alice. Ele acordou, está bem, e estamos transferindo-o para um quarto.
– Ah, graças a Deus!
– Vocês poderão vê-lo, é claro, mas primeiro eu tinha que preveni-los.
Os dois se preocuparam: então, na verdade, não estava tudo bem.
– Fale logo, doutor. -o homem pediu.
– Ele está com amnésia pós-traumática. Provavelmente temporária, mas vamos fazer novos exames a partir de amanhã para ter certeza.
– Amnésia? Como assim? Ele não se lembra do que aconteceu?
– Ele diz que não se lembra de nada, nem mesmo do nome dele. Mas ele fala com desenvoltura, e não perdeu certos códigos sociais. É por isso que eu acho que é pós-traumática e temporária. Amanhã também teremos um psiquiatra acompanhando o caso.
Uma moça entrou no consultório, muito nervosa, e já perguntando:
– Ele acordou? Como ele está? Ele contou o que aconteceu?
– Ele não se lembra -o médico respondeu.
– Como “não se lembra”?
– Esse período de coma foi como se o cérebro dele desligasse -o médico explicou.- Ele vai precisar de tempo para religar tudo. Eu vou levá-los para vê-lo mas ele provavelmente não vai reconhecer vocês. Não cobrem dele. Não perguntem se ele se lembra: isso só vai angustiá-lo e entristecer vocês. A memória dele zerou. Ele vai precisar de paciência e terapia para recuperar a memória. E vai precisar também da paciência e tranquilidade de vocês. Podemos ir?
Os três fizeram que sim e seguiram o médico até o quarto. O médico entrou primeiro e falou ao paciente, que estava sentado na cama com as pernas esticadas sob um lençol e recostado em travesseiros:
– Como se sente?
– Melhor: sem sondas, sem fios, sem agulhas.
– Sentiu algum tipo de mal-estar? Dor, falta de ar, tonteira, taquicardia?
– Não. Só esse vazio incômodo na minha cabeça.
– A partir de amanhã, vamos refazer alguns exames, e teremos também um psiquiatra para ajudá-lo. É uma situação temporária, pode acreditar em mim. Seus pais e sua noiva estão aqui fora. Querem vê-lo.
O paciente encheu-se de medo:
– Eu não quero vê-los… Eu… não me lembro deles.
– Eu disse a eles. Eles só querem ver que o senhor está bem. São pessoas que o amam. Será rápido.
– Tá, tudo bem. Mas não me deixe sozinho com eles.
– Está bem.
– Como é que o senhor disse que é meu nome mesmo?
– Marcelo.
– Marcelo… -ele repetiu, acostumando-se com a sonoridade- Bom que é um nome bonito. Imagine você acordar sem memória e descobrir que seu nome é Arquibaldo, Leopoldo, Cornélio -ele riu- Nada contra esses nomes, mas eu não gostaria de tê-los. Como é o nome dos meus pais e dessa… noiva?
– Roberto e Alice; Denise.
– Tá. Vamos lá, né? Eles querem me ver: vamos acabar logo com isso.
O médico abriu a porta do quarto e deu passagem. Os três entraram meio receosos mas cercaram Marcelo sorridentes.
– Que bom te ver acordado, filho! -Alice falou primeiro- Posso… posso te dar um abraço?
– Tá. A senhora é minha mãe, né? Acho que tem direito de me abraçar.
Alice abraçou o filho mas o sorriso morreu-lhe: “‘senhora’? -ela pensou- Ele nunca me chamou de ‘senhora’. Ele não se lembra de mim…” Mas ela não falou nada para não demonstrar sua tristeza. Marcelo abraçou também o pai e olhou para a moça mais nova.
– Você que é minha noiva? Puxa, tenho bom gosto! Quer dizer, me desculpe. Olha, eu realmente não me lembro de vocês. Me desculpem.
– Tá tudo bem, filho -o pai falou- Vai passar e você vai voltar a ser quem você é. Nós estamos aqui para te ajudar no que for preciso.
– Eu moro com vocês?
– Mora.
– Queria ver meu quarto, minhas coisas…
– Em alguns dias -o médico se meteu- Precisamos ter certeza de que está tudo realmente bem. Está quase na hora da janta. Vamos deixar o senhor Marcelo descansar um pouco. Vocês podem vir novamente amanhã.
– Quer que eu fique com você? -a mãe perguntou, carinhosa.
– Não. Me deixem sozinho. É muito estressante não conseguir lembrar das coisas.
Os pais despediram-se do filho com um beijo carinhoso mas tímido, e a noiva não sabia o que fazer. Mas que bobagem: era seu Marcelo que estava ali. Ela sorriu e perguntou:
– Posso te beijar também?
– Somos noivos, né?
Ela apoiou a mão no peito dele, aproximou-se e beijou os lábios dele com carinho. Marcelo sentiu o coração se acelerar um pouco e alguma coisa se mexeu em sua cabeça. Sentiu que estava tudo lá: sua memória não estava perdida, estava apenas inacessível… temporariamente inacessível, esperava. Quando Denise finalizou o beijo, os dois se olharam quase com reconhecimento. Ela percebeu e, apesar da recomendação do médico, perguntou:
– Lembrou de mim?
– Não. Mas foi bom mesmo assim.
Os três saíram, meio relutantes. O médico fechou a porta e voltou para falar ao paciente:
– Vou marcar seus exames e acionar os outros profissionais. A nutricionista virá conversar com o senhor e vou ver se tem algum fisioterapeuta disponível. Se precisar de alguma coisa, aperte este botão e alguém da enfermagem virá.
– Tá.
– Tente descansar.
– Passei doze dias dormindo. Se tem uma coisa que eu não tô é cansado.
– O que eu quis dizer foi “não fique pensando demais”.
– Vou tentar.
O médico saiu e Marcelo ficou sozinho. Era muito estranho não se lembrar de nada de sua vida. Sentia-se como um fantasma, arrastado num turbilhão de eventos. Tudo estava acontecendo rápido demais para sua mente confusa. Se pudesse ter alguma referência a que se agarrar… Ele olhou para suas mãos e achou-as estranhas. Como se não fossem suas. E se ele estivesse num projeto experimental de troca de identidades? Ou talvez fosse um andróide recém-finalizado. Aquelas pessoas não eram seus pais: eram atores contratados para confundi-lo. E se o hospital fosse apenas um cenário para dar um ar de normalidade à situação? Ele escondeu o rosto nas mãos.
– Eu vou enlouquecer!
Não sabia em quem podia confiar, porque todos podiam estar mentindo. Tudo podia ser apenas uma farsa. Mas com que propósito? Precisava descobrir.
Um rapaz entrou no quarto e falou:
– Oi, Marcelo. Seu César, seu fisioterapeuta.
– Meu o que?
– Fisioterapeuta. Cara, você me deu um susto. Eu cheguei na UTI e você não estava lá. Como se sente?
– Doutor Maurício não lhe contou?
– Da amnésia? Contou. Ah, mas você não ia se lembrar de mim mesmo. Eu trabalho na UTI. O corpo não pode ficar parado, sabe? Então eu faço a mobilização dos pacientes. Mas, fora a memória, tá sentindo mais alguma coisa?
– Não.
– Já tentou se levantar?
– Não. Nem pensei nisso.
– Então vem: vamos dar uma volta pelo quarto.
Marcelo hesitou um instante: e se tivesse perdido a força das pernas também? O fisioterapeuta se posicionou ao lado da cama, pronto para ajudar seu paciente nos movimentos. Marcelo moveu as pernas devagar para fora da cama e escorregou até alcançar o chão. César ofereceu as mãos, que Marcelo segurou e começou a andar, ainda um pouco inseguro. César foi retirando a firmeza das mãos aos poucos e soltando Marcelo que, finalmente, andou sozinho.
– Você está muito bem -César elogiou.
– É, não dá pra correr a Maratona mas não preciso ficar na cama o tempo todo.
– É isso aí. Amanhã venho cedinho pra fazermos uma série de fortalecimento completa. Se precisar, o Doutor Maurício vai passar mais fisioterapia, mas aí já não é mais comigo: eu só trabalho na UTI.
– Tá. Obrigado por ter vindo. E por não ter me deixando enferrujar esses dias.
– UTI é muito ingrata, sabe? É muito bom quando você vê um paciente seu andando de novo.
– Eu preciso ir ao banheiro. Você espera um pouco? Eu tô meio inseguro com tudo.
– Claro. Vai lá. Se precisar de alguma ajuda, chame.
Marcelo foi ao banheiro e deixou a porta apenas encostada. Ao deparar-se com sua figura no espelho, assustou-se. Então essa era sua cara. Como podia não se lembrar nem mesmo de seu rosto? Bem, isso considerando que sua aparência atual era a mesma de antes do acidente… E se tivesse sido submetido a uma cirurgia plástica, para construção de uma nova identidade? Sua memória teria sido naturalmente apagada. Tudo o que lhe diziam era falso. Tudo fazia parte do plano. Só tinha que descobrir por que.
– Tá tudo bem aí? -o fisioterapeuta perguntou.
Marcelo acionou a descarga, lavou as mãos e saiu.
– Tá. Eu não sei quem eu sou. Eu não reconheço meu corpo. É tudo muito esquisito.
– Imagino. Mas vai passar. Trauma e coma são complicados mesmo. Doutor Maurício é um bom neurologista: ele vai dar os melhores encaminhamentos.
– É, eu espero que sim.
– Nos vemos amanhã cedo, então.
Antes que o fisioterapeuta tivesse saído, uma moça com jaleco branco entrou e se apresentou:
– Meu nome é Patrícia; sou nutricionista.
César saiu e Marcelo passou a dar atenção a Patrícia.
– O senhor tem alguma alergia alimentar, alguma intolerância?
– Não sei. Você não viu que eu perdi a memória?
– Amnésia pós-traumática pode ser pontual -ela explicou- Você esquece um conjunto de coisas mas não outros. Você não esqueceu a língua, por exemplo.
– É verdade.
– E não perdeu a noção de certos conceitos, como “nutricionista”, “alergia”, “memória”.
– Realmente.
– O senhor poderia se lembrar de algum episódio de reação alimentar.
– É, me desculpe.
– Tem alguma comida de que o senhor não goste?
– Não sei.
– Tem alguma coisa que o senhor queira muito comer?
“Claro que não”, Marcelo pensou, mas a pergunta acionou o restabelecimento de algumas sinapses que lhe devolveram sensações gustativas e olfativas, e um sentimento de felicidade, então ele respondeu:
– Spaghetti à bolonhesa e depois sorvete de chocolate.
A nutricionista riu:
– Viu como o senhor não perdeu tudo?
– É verdade. Acho que gosto disso, porque foi uma sensação de prazer boa.
– As coisas boas voltam antes -ela contou.- Hoje não temos spaghetti à bolonhesa, tá? O senhor vinha sendo alimentado por sonda, então vamos manter alimentação pastosa até o fim do dia. Amanhã começamos a reintroduzir alimentação usual.
– Como assim “alimentação pastosa”? Eu odeio mingau -ele falou sem pensar.
A nutricionista anotou a informação e explicou:
– Mingau, não: janta normal, mas fácil de mastigar e digerir.
– Eu não sei o meu nome mas sei que odeio mingau. Como pode isso?
– O cérebro escolheu esquecer apenas uma parte das informações. Amnésia total é algo muito, muito raro. Vou organizar seu cardápio -ela disse para despedir-se- Se precisar de alguma coisa, chame a enfermagem.
– Tá. Obrigado por me fazer lembrar de algumas coisas.
A nutricionista saiu e Marcelo ficou sozinho. A cama estava com a cabeceira bem levantada, então ele sentou-se ali, recostado aos travsseiros, com os joelhos dobrados e as mãos atrás da cabeça. Era estranho pensar que seu cérebro propositadamente tinha apagado uma parte das informações que guardava. Com que propósito?
Uma enfermeira entrou no quarto e Marcelo rapidamente esticou as pernas para frente e arrumou a camisola do hospital sobre as pernas, pois era a única peça de roupa que estava usando.
– Como se sente? -ela perguntou com um sorriso profissional.
– Bem.
– Vim medir sua pressão e sua temperatura.
Ela posicionou primeiro o termômetro e olhou a hora. Depois mediu a pressão e anotou no prontuário.
– Que horas são agora? -ele perguntou.
– Cinco e meia, quase.
– Que dia é hoje?
– Quatro de outubro de dois mil e dezesseis. É uma terça-feira.
– Você teria um jornal de hoje, uma revista semanal? Eu preciso botar alguma coisa na minha cabeça, senão vou enlouquecer.
– Deve ter, sim. Eu vou ver e já te trago.
Quando se completou o tempo de aferição da temperatura, a enfermeira recolheu o termômetro e anotou o resultado.
– Tudo certo?
– Tudo normal. Só não entre em coma de novo e logo irá para casa.
– Essa ideia me assusta um pouco.
– Entrar em coma de novo?
– Ir para casa. Ir pra um lugar que eu não conheço, com pessoas que eu não conheço… levar uma vida que eu não sei qual é…
– Olha, se não tiver nenhuma lesão no seu cérebro – e não deve ter, porque a ressonância que foi feita não indicou nada – a memória vai voltar. Você volta pra sua vida e a memória volta junto. O Doutor Maurício chamou o Doutor Marcos. Ele é psiquiatra e vai te dar o caminho para lembrar de tudo.
– É o que eu espero.
Feito seu trabalho, a enfermeira saiu do quarto mas logo voltou, trazendo o jornal pedido e uma revista, que achou na sala de espera.
Rio de Janeiro; Brasil; outubro; dois mil e dezesseis. Se tivessem lhe perguntado, não saberia responder mas tudo voltava a fazer sentido. A crise financeira; as investigações do Ministério Público envolvendo políticos; nada disso o assustou. Era como se já soubesse que isso estava acontecendo.
– Eu só esqueci de mim mesmo. Que coisa maluca…
Marcelo apertou o botão próximo à cama e a mesma enfermeira veio atendê-lo.
– Eu posso tomar banho?
– Claro! O senhor estava na UTI, então seus pais levaram suas coisas. Tem toalha, sabonete e xampu no banheiro. Vou pegar uma roupa limpa.
Ela saiu e logo um enfermeiro veio, trazendo outra camisola de hospital lacrada num saco plástico.
– Se precisar de ajuda, é só falar, tá?
Marcelo pegou a roupa e foi para o banheiro. Abriu a torneira do chuveiro antes de tirar a roupa, para que a água quente chegasse antes que ele entrasse. Engraçado não se lembrar do próprio rosto mas saber da convenção que dizia que a torneira de água quente levava um sinal em vermelho. Não se lembrava de seu corpo mas lembrava-se de como usar o sabonete e o xampu. O cérebro realmente é cheio de mistérios.
Terminado o banho, Marcelo voltou para o quarto, liberando o enfermeiro. Mais um pouco veio o janter e, mais tarde, a ceia.
– Sente-se cansado, com sono? -a enfermenra lhe perguntou.
– Não.
– Doutor Maurício deixou uma prescrição, caso o senhor tenha dificuldade para dormir.
– Não vou tomar remédio para dormir!
– Quanto antes voltar a uma rotina, melhor. Dormir à noite para estar bem disposto amanhã.
– E se eu não acordar amanhã?
– Não é assim que se entra em coma. É só um remedinho para ajudá-lo a relaxar. Tenho certeza de que o senhor já tomou coisas mais fortes.
– Pode ser. Mas eu não me lembro.
– Deite e relaxe. E esteja dormindo antes das onze. E não adianta fingir, porque eu sei identificar se um olho fechado está dormindo ou não.
– Tá bem -respondeu, resignado- Vou ver o que eu posso fazer por você.
– Por mim, não: pelo senhor mesmo; pela sua saúde.
– Vou me esforçar.
– Apenas relaxe. Estamos aqui para cuidar do senhor. Vai ficar tudo bem. Amanhã começa a sua recuperação.
– Obrigado.
– Durma bemm.
Eles trocaram um sorriso e a enfermeira saiu. Marcelo escovou os dentes e voltou para a cama. Deitou-se e cobriu-se bem com o lençol. Não estava cansado; apenas psicologicamente esgotado. Embora lhe faltasse sono, ele dormiu imediatamente.

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