É engraçado pensar que este mês (não lembro nem anotei o dia) completo 25 anos de carreira literária. Em abril de 1985, quando escrevi aquele sonho, que se tornou minha primeira história, não pensava que chegaria aqui. Mas cheguei. E, graças a tudo pelo que passei, atingi uma maturidade que eu não tinha quando comecei. A conclusão parece óbvia, mas é essa maturidade, não só de vida mas também de prática literária, que me faz ter clareza do meu processo, e me torna capaz de orientar colegas menos experientes.
Fico muito lisonjeada com os comentários que as pessoas – muitas das vezes, colegas de literatura – têm feito sobre meu trabalho, aqui no blog e nas comunidades literárias de que participo. Dizem que aprendem com meus textos, que se encantam com o que escrevo, que a narrativa está tão bem feita que nada há a observar e corrigir. Minha primeira reação é sempre de “calma, que é isso, não é bem assim: sou apenas uma escritora iniciante”. Mas depois “cai a ficha”, e eu lembro de todo meu percurso para chegar aqui e acredito que os elogios não são exagerados, pois de fato eu sei algumas coisas e me aperfeiçoei ao longo desses anos. É pena que o mercado editorial tenha outros olhos, e as editoras grandes, que poderiam divulgar bem meu nome e meu trabalho, continuem fechadas para mim, pois continuo sendo uma ilustre desconhecida do público em geral.
Pode parecer pedante eu chamar de carreira literária esses 25 anos de escrita que tenho. Mas é uma prerrogativa do ofício – sim, a literatura é mais ofício do que profissão, no sentido de que não é regulamentada, não há formação específica nem mercado de trabalho formal. Então, assim como me auto-intitulo escritora ou romancista, também me dou ao direito de auto-intitular minha trajetória de “carreira”. É algo que só os artistas podem fazer. Não é um diploma, nem um certificado ou declaração que dizem que alguém é compositor musical, ou artista plástico, ou cineasta, ou ator, ou escritor. Cursos podem ajudar a aperfeiçoar mas não bastam. Pessoas com cursos e títulos podem não se considerar artistas, assim como pessoas sem curso nenhum podem ser artistas e fazer bons trabalhos. Descobri isso na faculdade de Educação Artística, quando uma colega, cuja produção, na época, eu considerava medíocre, assinou um texto se intitulando “artista plástica”. Eu e outros colegas, indignados, nos perguntávamos “quem disse que ela é artista plástica?” A resposta era óbvia: ela mesma. E quem éramos nós, meros aprendizes também, para dizer que não? Foi quando decidi que começaria a me chamar de “escritora” assim que publicasse o primeiro livro – pois o que vale neste mundo não é escrever, é publicar, é disponibilizar publicamente um objeto para uso do público (desculpem a redundância, mas, neste caso, me parece inevitável).
Comecei minha carreira escrevendo poemas, contos, crônicas, romances curtos (menos de 100 páginas manuscritas), romances longos (acima de 100 páginas manuscritas). Hoje escrevo apenas romances longos, e eventualmente algum romance curto acontece. Mas sempre romances.
Foi importante mas também dolorosa essa escolha, porque significou fechar portas. Quando se escolhe uma coisa, ao mesmo tempo se “des-escolhe” todas as outras. Mas é importante ter um foco, para que o aperfeiçoamento seja mais fácil e, muitas vezes, possível. Primeiro, fiz uma opção pela prosa, abandonando a poesia, que passou a acontecer esporadicamente, só em momentos de grande emoção e inspiração. Na verdade, minha produção poética se concentra nos anos de 1990 a 1992. Depois disso, só fiz 2 poesias em 1993, uma poesia em 1994, 1996, 1997 e 1998 e, desde então, mais nenhuma. Mais ou menos na mesma época, abandonei a crônica, por perceber que as histórias inventadas que eu faço têm mais consistência do que as histórias que têm vínculo com a realidade, além de serem muito mais fáceis de se fazer. Oficialmente só parei de fazer contos em 2004, quando um contista me mostrou os defeitos dos meus contos, mas eu já tinha parado com a produção em 1996, data do último conto (À procura). Depois disso, as duas histórias mais curtas já foram romances curtos, e não mais contos. Mesmo sem escrever contos desde 1996, eu ainda me considerava romancista e contista, o que só acabou em 2004, quando eu resolvi não escrever mais contos, e investir só no romance. No início, minha preocupação era: “e se eu tiver uma idéia curta?” Mas logo percebi que eu não tinha mais idéias curtas há muito tempo, e que isso não seria problema. Mesmo À procura pôde ser desenvolvida e se tornou um romance curto.
De fato, desde Construir a terra, conquistar a vida, quando eu resolvi contar praticamente toda a vida da personagem principal, e também de seus descendentes (a idéia de gerações, conforme contei neste texto aqui), o que me rendeu 895 páginas, mesmo minhas idéias curtas, de histórias que acontecem em pouco tempo e num mesmo lugar, têm rendido pelo menos romances curtos (Vingança e A noiva trocada). Se o conflito for um pouco mais complicado de resolver, lá vou eu passando das 100 páginas (Não é cor-de-rosa e Amor de redenção). Desde o início, o que eu mais gosto de fazer são os romances, em que eu tenho espaço para fazer meus diálogos, onde as características psicológicas das personagens e os conflitos se desenvolvem e se apresentam ao leitor, então essas escolhas, no fim, não foram tão sofridas assim, e eu nunca me arrependi por elas, nem tive “recaídas” de voltar a escrever nas formas abandonadas (exceto por O Além, que é um conto, mas esse é um caso especial). Mesmo dentro dessa escolha por contar histórias longas, eu podia ter escolhido escrever peças teatrais ou roteiros para cinema e TV. Mas eu me decidi mesmo pelo romance, pela arte na palavra escrita. Por mais que meus textos tenham muitos diálogos, como no teatro, e, às vezes, a descrição da cena seja meio cinematográfica, escolhi me expressar com palavras, não com imagens.
Ah, antes que me esqueça, quero esclarecer um pequeno detalhe. Quando se fala em 25 anos de carreira, a primeira impressão pode ser de que se trata de uma pessoa de meia idade. Mas a arte nos permite começar bem jovens, de forma que conseguimos fazer bodas de carreira sem contar muitos aniversários. Este ano, além dos 25 anos de carreira, comemoro 10 anos de casamento e 40 anos de vida, embora minha aparência faça muitas pessoas julgarem que tenho menos idade.
Recentemente, mudei o critério de numeração de minhas histórias, e resolvi numerar também quando retomo uma idéia para retrabalhá-la, pois isso facilita encontrar todas. Antes, se a história de número 33, por exemplo, fosse retomada anos depois, após a história 170, ela manteria o número 33, em vez de receber o número 171. Isso dificultava muito encontrar as retomadas, pois podiam estar em qualquer lugar das 23 páginas de registros. Agora, a nova versão da história 33, se vier depois da história 170, tem o número 171, e uma referência de que é versão da história 33. A história que mais foi retomada não tem título mas eu chamo de “Bonzinho mau-caráter” (adoro falsas aparências!) e aparece nas posições 114, 197, 267 e 298. Por causa dessa renumeração, o número de histórias aumentou, em relação ao que citei neste texto aqui, pois todas as retomadas, que não contavam como histórias novas, agora contam. Então, ao final de 25 anos, tenho 306 histórias criadas, sendo que 137 são completas. Isso dá uma média de 12,24 histórias criadas por ano e 5,48 histórias completas por ano. Esse número é alto porque sou viciada em criar histórias, e não durmo se não inventar um pedaço de alguma coisa. Para quem gosta de imagens (como eu, por exemplo), fiz um gráfico com o número de histórias ano a ano (clique na imagem para ver melhor).
O saldo numérico desses 25 anos é este: 306 histórias criadas; 136 histórias completas; 23 histórias sobreviventes, que se organizam em 6 livros publicados, 9 livros a publicar e 3 histórias em desenvolvimento.
Agradeço à literatura pela companhia durante esses 25 anos, pelos bons momentos que passamos (todos!!), pelos amores e aventuras que vivemos juntas.
Agradeço a minhas amigas de adolescência, que tiveram a paciência de ler minhas histórias quando eu ainda não sabia escrever bem, em especial à Cláudia, que teve que ler todas as primeiras e opinar sobre elas. Até hoje, não posso nem falar o nome da primeira, porque ela pede, desesperada: “não me faça lembrar dessa história! É horrível! É a pior história que você escreveu! Você ainda não a jogou fora? Joga no lixo! Vamos falar de outra coisa?”
Agradeço especialmente à minha amiga Luciana, que leu muitas, mas conhece todas desde a fase de criação, pelas nossas horas de conversa sem fim, em que eu conto o que fiz e como a história vai prosseguir, e muitas vezes leio para ela em voz alta alguns trechos. Lembro que eu tinha uma história com fantasmas, que eu contei a ela de noite. A mãe dela entrou no quarto e nos assustou. Depois ela não conseguiu dormir direito. Lembro também como era difícil acompanhar quem era quem na “história dos tatás”, como é conhecida entre nós. São muitas lembranças das horas de conversa com essa amiga paciente tão querida.
Agradeço também aos amigos eu já me conheceram na fase dos livros publicados, e vêm prestigiando meu trabalho, lendo os livros e opinando. É muito importante para o autor ter retorno de seu trabalho, inclusive aquele “não gostei”, que muita gente tem medo de dizer mas que eu gosto de ouvir, porque às vezes meu objetivo é mesmo chocar o leitor e tirá-lo da zona de conforto.
E agradeço a todos os que leem meus textos no blog e nas comunidades – amigos que a literatura, com a ajuda da tecnologia, está trazendo para mim. É mesmo uma boa e inseparável amiga, a literatura.
Parabéns Mônica! É um sucesso comemorar 25 anos de escritora!
De fato, você parece ter menos idade.
Abraço!
Parabéns mesmo, amo a maneira como trata a tua literatura…
Parabéns…