Já usei essa expressão algumas vezes em textos publicados aqui, e já me perguntaram o que significa, então resolvi explicar o que é e aproveitar para comentar como uso essa ferramenta.
Deus-ex-machina é uma expressão em latim que quer dizer mais ou menos “uma divindade saindo de um dispositivo”. Descontextualizado, não faz mesmo sentido. Precisamos saber um pouco da história da Grécia clássica e seu Teatro. A tragédia – a grande forma – contava especialmente histórias mitológicas, de deuses, semideuses e heróis. A história dizia que o herói enfrentava incontáveis dificuldades até o sucesso final. Muitas vezes, vencia os desafios sozinho mas, outras vezes, precisava de ajuda divina. Então surgia no palco uma estrutura e, de dentro dela, saía algum deus, para ajudar o herói em seu problema. Fazer uma estrutura descer do céu ou brotar da terra sempre requer uma boa engenharia para construir um artefato e fazê-lo mover-se sozinho na direção certa – esse conjunto é o que se chama machina. Portanto, deus-ex-machina é o momento da tragédia grega em que deus sai do artefato de engenharia para interferir definitivamente no destino do herói. Por ser um deus, ele age ignorando as leis da física, da química e da biologia, e também está acima das leis e da moral, e segue uma ética própria, que nem sempre é a ética dos humanos.
Em literatura, chamamos de deus-ex-machina o momento em que o escritor cria um evento improvável para alcançar o resultado de que precisa para dar continuidade à história. Em geral, por estar agindo como um deus, ele passa por cima das leis da natureza e produz milagres. É aquela chuva que cai bem na hora e deixa o mocinho e a mocinha presos em algum lugar, para que percebam que estão apaixonados; é a distração do vilão que faz o mocinho vencê-lo; é a cura milagrosa de doenças, etc. É bem fácil identificar quando esse artifício está sendo usado, pois o leitor fica com uma sensação de “trapaça”, e pensa logo “essa chuva caiu bem na hora, hein!”, ou “nunca que o vilão vai cometer um erro primário desses”, ou “nossa, que sorte isso acontecer”, ou “ah, é claro que a mocinha tinha que estar ali para o mocinho encontrá-la”. São eventos injustificáveis, às vezes inverossímeis, mas totalmente necessários para que a história aconteça conforme os planos do autor. É importante que se diga que é um recuso possível, permitido, mas que deve ser usado com parcimônia, pois o exagero de deus-ex-machina numa história compromete a verossimilhança. É uma espécie de ato de desespero do autor: quando nada mais vai funcionar, apela-se para o deus-ex-machina.
Eu faço o possível para não abusar do recurso, pois, como já disse, ele mina a verossimilhança que me custa tanto construir. Ainda assim, às vezes é inevitável para que as personagens tenham o destino que lhes cabe. Há deus-ex-machina quando Estienne acredita que Ninette não é quem diz ser. Há deus-ex-machina na forma como Marie conhece Jacques. E também nas coincidências entre Isabel e Cecília; na ausência do pai de Caty quando Alex vai procurá-lo; na posição de Isabel de Durpoin enquanto Lisbet Legrant avista o arqueiro; no sono excessivo de Assunción; no não-reconhecimento de que Rodrigo é Mário. Não tinha jeito, eu precisava desses eventos para continuar a história.
E tenho, em Amor de redenção, um caso de diabolus-ex-machina (o termo é invenção minha). Chamo assim porque quem apareceu não veio para ajudar, mas era necessário para manter Ágila vivo até encontrar Camila. O próprio fato de Ágila atravessar os séculos vivo é inverossímil, mas a motivação da história (que contei aqui) exigia tal coisa, e essa espécie de deus-ex-machina foi o meio que encontrei para compor a personagem com todas as características necessárias.
Percebi que uso bastante o recurso do deus-ex-machina, mas procuro fazer de forma que pareça natural, e que o leitor considere uma “coincidência providencial”, e não uma apelação, ou uma “forçação de barra”. Meus deus-ex-machina costumam ser possíveis dentro da realidade da ficção criada e, portanto, verossímeis.
Ótima postagem, Mônica. Esclarece um recurso muito usado na literatura e que muitas vezes acontece de forma incosciente. Foi bom ter lido seu comentário no blog Na Ponta do Lápis, pois pude achar seus escritos.
Um abraço.
Nunca que eu havia ouvido esse termo, interessante mesmo e agora que me dei conta que isso esta bem presente, e realmente nós quando chegamos a ler um evento desses, fazemos aquela cara de "ata, sei justo agora começa a chover e só esta eles dois", me parece tão intencional, talvez por que seja, pois a historia deve continuar. 1º vez que entro no seu blog, estarei mais presente nas próximas vezes, muito claro seu texto de acordo com minha interpretação.
Seguindo aqui, e meu blog esta aqui (link retirado porque o blog foi desativado).
Por norma quando uso uma Deus Ex Machina crio um evento que que calhe mal…
Exemplo:
Sâo salvos de cairem numa ravina por um carro mas o carro contêm os vilões…
Bom dia/Noite Mónica
Sou o tipo que você ajudou no yahoo respostas, vim cá agradecer…
PS: Estive a ler alguns textos e estão mesmo bem feitos, este por acaso já sabia o que é a Deus Ex Machina, dar poderes a um personagem ou safá-lo de uma situação improvável com algo que apareça nesse exacto instante..
Se me quiser depois ajudar aqui está o blog onde publico os meus textos:
(link retirado porque o blog se tornou restrito).