Essa pergunta pode soar estranha, afinal, uma personagem, para ser principal – protagonista – precisa estar presente na história para carregar a trama. Eu sei disso mas, mesmo assim, por três vezes, tentei escrever uma história em que o protagonista não aparecesse. A bem da verdade, ele aparece, ocupa seu lugar de personagem principal e depois é afastado da trama. Tudo acontece por causa dele, e as outras personagens se encarregam de caracterizá-lo, como se ele estivesse presente o tempo todo. Foi o que eu fiz em O caso MArchand, Idade média, e Primeiro a honra. Ao chegar ao final das histórias, porém, fiquei com a sensação de não ter alcançado meu objetivo – talvez por isso duas dessas histórias estejam descartadas, e somente Primeiro a honra tenha sobrevivido, por tratar desse tema de uma forma mais madura e refletida. Porque o que acontece é que essa personagem, ao ser afastada da trama, na verdade perde seu lugar de protagonista, e vai ocupar o lugar de “motivo” da ação das outras personagens. Então Michel Archand não é a personagem principal, mas apenas o motivo pelo qual a história acontece. A personagem principal, o protagonista, aquela que carrega a trama, é o Detetive Chaloult. A história acontece ao redor da personalidade e da vida de Archand, mas quem conduz é Chaloult. O dia que eu souber escrever romance policial, essa história volta à vida.
Há um outro caso, numa história que é claro que não vou dizer o nome, em que a personagem principal morre no final, e eu conto como foram o velório e o enterro, em meio aos lamentos das outras personagens. É muito interessante porque, desde que morre, o protagonista está presente em todas as outras cenas, mas sem dizer nenhuma palavra e sem fazer sequer um movimento (é claro, pois está morto). Ele se torna “motivo” das ações das outras personagens mas seu protagonismo continua sólido como foi em toda a história. Cada palavra, cada gesto das outras personagens parecem dialogar com o silêncio e o imobilismo do protagonista. O silêncio dele fala; a imobilidade gesticula. Como já era mesmo o fim da história, nenhuma outra personagem assumiu o lugar de protagonista – mesmo porque eu não saberia a quem entregar esse bastão.
Escrever com o protagonista em algum tipo de “limbo” é um exercício bastante complexo e, muitas vezes, inglório. Já tive a minha quota e só uma possível re-escrita de O caso MArchand me faria tentar de novo. Mas fica a sugestão para quem quiser experimentar.
O que você propõe realmente é um exercício interessante, só não sei se tenho perspicácia para tudo isso. hehe
Parece bastante complicado. Eu tenho dois personagens que são mencionados o livro inteiro, mas não aparecem – exceto um deles, que aparece uma única vez, já no finalzinho do livro, mas como uma lembrança. E isso se repete em outros dois livros – continuação do primeiro. Não sei se eu saberia como conduzir um caso desses por todo o livro – protagonista ausente.
Em meu romance mais recente, que é dividido em três partes, acontece algo parecido: um dos personagens principais some na segunda parte, mas continua sendo o "motivo" do outro personagem principal. Só que ele retorna na terceira parte.
É, Mônica, só mesmo lendo o seu livro pra aprender a escrever desse modo tão complexo. 😉
Isie, Brisa
Não me levem tão a sério! Construir um protagonista ausente é quase tão complicado quanto transformar chumbo em ouro!