Entrevista

Entrevista a Rainer – parte 2

Publico aqui mais algumas perguntas da entrevista dada a Rainer Gruggenberger, sobre meu livro Primeiro a Honra. A primeira parte da entrevista está aqui.
 
6) Você escreve, no Prefácio, que gostou “do contato” que teria feito “com os povos celtas”. Em qual sentido e em qual maneira você fez esse contato? Foi só através dos livros históricos? Você tem raízes italianas e parece que você se identifica muito com os celtas. Claro que também o norte da Itália tivesse as influências celtas, mas ao que precisamente atribui ao fascínio? Eu acho que você desenhou uma imagem, que deixa pensar que você encontrasse nos celtas o povo puro, natural e não corrupto pelos maus hábitos da civilização, um mito que sobretudo muitos Românticos procuravam. Você acha mesmo que os celtas reais pareciam com os celtas do seu romance? Não acha que também os celtas, como todos os povos, tinham as suas regras absurdas e nesse sentido desnaturadas?
 
Meu vínculo com os celtas nasceu na faculdade de história da arte, pois os cursos são estruturados de uma forma que eu discordo: 1) Pré-história: pinturas rupestres da região franco-cantábrica e do levante espanhol; 2) Idade antiga: Egito, Mesopotâmia, Grécia, Roma; 3) Idade média: estilo bizantino, renascimento carolíngio, estilo românico, estilo gótico. Eu sempre me perguntava se os homens pré-históricos das cavernas francesas tinham se mudado para o Egito para construirem ali sua civilização, e só tinham voltado para a Europa no século VIII, para prepararem a ascensão de Carlos Magno. Havia uma lacuna na história que nenhum professor se preocupava em preencher (e, na verdade, também não havia tempo hábil para incluir outros assuntos). Então, em pesquisas particulares, um dia descobri que os homens das cavernas francesas tinham criado sua própria cultura, e eram conhecidos pelo nome genérico de celtas, e tinham uma arte riquíssima, digna de ser estudada nos cursos de história da arte. Eu ainda quero escrever uma história que se passe na Primeira Idade do Bronze, em Hallstatt – essa, sim, será a devida homenagem a esse povo que começou a construir o que hoje é a Europa. Meu contato com os celtas acontece através da arte (que nem é marcante durante o livro, exceto pela habilidade manual de Rudbert) e é uma satisfação para mim ter personagens celtas – mesmo que sejam celtas à minha maneira. Procurei dar a minhas personagens características possíveis das pessoas celtas, de forma que não houvesse incorreções históricas, mas meus celtas – como meus francos – são fictícios e, como minha intenção não era uma recriação antropológica, não me preocupei em fazer meus celtas um modelo perfeito de como devem ter sido os celtas, mas apenas um modelo possível.
 
Não considero que os celtas fossem puros e incorruptos. Ninguém é puro se é humano. Certamente eles tinham costumes que consideramos absurdos e desnaturados, mas quanto de seus costumes eu vou usar é algo que as necessidades da minha trama é que vão decidir.
 
 
7) Os protagonistas francos têm nomes franceses (Rosala, Constance, Thierry, Lanrose, Sigemond Toulière) enquanto os gauleses se chamam Berta, Archibald, Adèle, Atilde, Rudbert e Gregor. Para mim parecem ser nomes típicos germánicos e não gauleses. Você encontrou esses nomes num livro sobre os celtas?
 
Todos os nomes na verdade são francos, ou de origem franca. Não consegui encontrar nomes Parisii para meus celtas, então tive que me contentar em usar nomes da época simplesmente, e dei preferência aos francos por estarem em um reino franco, imaginando que a mistura de culturas já vinha acontecendo há algum tempo. Agora me ocorre que eu poderia ter usado nomes de origem romana, mas esses também eram difíceis de encontrar.
 
Thierry era o nome do filho do rei Clodoveu; Berta era o nome da mãe de Carlos Magno; Atilde é partícula de Clotilde e Batilde, mulheres merovíngias; Archibald contém partículas de nomes merovíngios – archi e bald; Rosala, Constance e Adèle eram nomes que existiam na época – de rainhas ou santas; Rudbert não existia, mas contém bert (que é germânico mesmo, mas usado também pelos francos, como em Berta), então inventei; e Ailan é totalmente invenção minha.
 
 
 
8) Eu, sobretudo como iniciante do português, gostei muito da simplicidade e da clareza da sua expressão literária. Em particular a escolha de um vocabulário simples e quotidiano, e o fato de que o romance consta principalmente dos diálogos facilita muito a leitura e aumenta o prazer dela. É um seu dogma que a linguagem deve ser tão simples e clara quanto possível? Você sabe que o seu romance, por isso, se prestaria bem ao acompanhamento da instrução do português para estrangeiros num nível intermediário? O romance linguisticamente serviria também como leitura para crianças lusitanas, se não tivesse um conteúdo que sobretudo no segundo capítulo se torna muito violento e que, em geral, trata a sexualdidade no modo mais ou menos explícito. Qual é o seu público principal? Haveria muita gente interessada em romances sobre um amor difícil, num país com as telenovelas que tratam uma temática parecida, ainda que o tempo e o espaço sejam diferentes?
 
Eu escrevo do jeito que eu gosto de ler. Minhas personagens são pessoas do povo, não há porque terem linguagem rebuscada ou erudita. E o narrador sou eu mesma, então prefiro usar uma linguagem que eu domino. Gosto de abordar as relações entre as pessoas e acho que elas ficam mais evidentes quando as pessoas se encontram e trocam ideias – daí os diálogos. Aos poucos, fui aprendendo a marcar a ação com a fala das personagens, e usar os diálogos para fazer descrições das personagens e para dar informações da situação social e cultural daquele grupo. Acho mesmo que é uma forma mais leve de apresentar informações complexas e menos didática do que se fosse feito com descrições. Assim, não sou eu-autora dando uma informação ao leitor, mas uma personagem dando informação a outra personagem, e o leitor pega a informação para ele também. Ocorre-me agora que talvez esse artifício faça o leitor se achar esperto e inteligente, pois não precisa que o narrador lhe conte nada, porque ele é capaz de pescar as informações de que precisa nas conversas entre as personagens. Nunca pensei em recomendar meus livros para estrangeiros aprendendo português, nem para outros falantes da minha língua, porque nunca tive leitores com esse perfil, mas é uma boa ideia. Não recomendo a leitura desse livro em particular para crianças e adolescentes, porque o considero violento. Tenho outros livros que poderiam ser lidos por adolescentes, por tratarem de temas menos traumáticos. Na verdade, quando estou escrevendo, não tenho um determinado grupo como público alvo. Costumo dizer que meu público-alvo sou eu mesma, pois escrevo para minha satisfação própria. A leitura dos outros é uma consequência da existência do texto, e não um objetivo. Diante disso, o livro é recomendado para pessoas que estejam na faixa etária que eu estava quando o escrevi. Então livros que eu escrevi com 19 anos podem ser lidos por adolescentes; livros que eu escrevi com 30 anos nem sempre podem ser lidos por adolescentes.

(4) Comentários

  1. Olá Mônica,

    Li as três perguntas e com as suas respostas fiquei super curiosa para ler o livro. Parabéns pelo livro.

  2. Pamela Chris diz:

    Oi, Mônica, eu sou do blog Pamela Chris, e vim responder sua dúvida sobre o desafio literário.
    Olha, a proposta é exatamente essa, reescrever um conto de fadas. Pode mudar td, desde que tenha algo que o reconheça. Como o conto da cinderela que está no meu blog, ou até msm aquele filme "A garota da capa vermelha".
    Qualquer coisa é só me enviar q aí eu analiso.
    Bjs
    Pamela Chris

  3. Oi, Márcia. O livro está publicado. Dê uma olhada em livrosdemonica.blogspot.com

  4. Oi, Pamela. Sim, vi seu blog e a promoção, e fui procurar aqui o texto que eu tinha escrito, mas não se adequava à sua proposta. Até pensei em escrever outra coisa, mas acabou não acontecendo. Fica para outra vez. Obrigada por responder (você já tinha me mandado e-mail :))

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