São coisas que eu faço o tempo todo. Há vários tipos de re-escrever e reinventar:
1) reinventar a história que estou escrevendo – revejo cenas e falas à procura do texto que expressa melhor o que quero dizer. Faço isso o tempo todo, e só paro quando o livro vai para a gráfica.
2) re-escrever o que estou escrevendo – reparos e ajustes durante todo o processo, que só termina de fato com a publicação.
3) reinventar uma história descartada – eu vou testando possibilidades de alteração nas caracterizações, no ambiente e na estrutura da história. Em geral, estou procurando um final que me agrade, para que eu possa pensar em escrever. Cada vez que retomo uma história faço um registro novo por causa da data de criação. Quando são significativas as alterações de estrutura, conto-a como uma nova história. Alterações de ambientação e/ou caracterização não configuram uma nova história.
Tentei reinventar aquela primeira história, de 1985, por duas vezes (total de três versões, portanto) sem sucesso. Tenho carinho por ela, por ter sido a primeira, mas tive que me convencer de que realmente nada se salva nela.
4) re-escrever uma história descartada – de repente percebi que era uma prática recorrente. Re-escrever pode significar simplesmente mudar o texto, mantendo a estrutura básica e uma caracterização e ambientação mínimas, ou às vezes trazendo a história para o aqui e agora – o que seria o re-escrever propriamente dito, que aconteceu em O canhoto, como contei neste texto aqui, mas pode significar também inspirar-me numa história descartada para criar uma outra, com estrutura apenas semelhante, nova ambientação e nova caracterização das personagens.
Esse segundo significado de re-escrever é o mais comum e o mais importante dentro do meu processo, pois acontece sem eu perceber – é inconsciente. Somente depois da nova história pronta (se não escrita, pelo menos totalmente inventada) é que eu percebo que retomei algo que já havia.
Primeiro a honra é a segunda versão de uma história de 1986, pois têm em comum a morte de uma personagem importante logo no início, mas sua permanência durante toda a história, por ser citada pelas outras personagens, que sentem sua falta – o que cria o que eu chamo de “morto que não morre”. Nesta segunda versão, a caracterização das personagens foi aprofundada, a estrutura ficou mais coerente, escolhi outro local e a época recuou alguns séculos.
Não é cor-de-rosa é a terceira versão daquela primeira “história adulta”. Reescrevê-la não foi intencional: desta vez, eu queria falar de questões de trabalho, dinheiro e classes sociais. Mas de repente eu percebi que tinha de novo uma moça rica apaixonada por um rapaz pobre, e ela brigava com o pai por causa desse amor. Então resolvi aproveitar os nomes – e os apelidos, que aqui são importantes – e reescrever, para ver se eles conseguiriam ficar juntos no final. Fiquei muito feliz ao poder reaproveitar uma história tão significativa para mim como foi essa, criada na época das histórias infantis mas já com pretensões de carreira literária, antes que tudo começasse de fato. [Essa história hoje está descartada.]
Agora que percebi que re-escrever é uma prática possível e até comum para mim, ao descartar uma história que acho interessante, já a marco como suspensa, prevendo que um dia será reescrita – uma espécie de fila de reinvenção. Foi o que aconteceu com o romance Tudo que o dinheiro pode comprar. Ela seria a primeira na fila de publicação mas resolvi descartá-la em vez de publicá-la, pois encontrei algumas incoerências no comportamento da personagem principal, o que significa que a caracterização está falha e inconsistente. Mas gosto da ideia de alguém que tem tanto dinheiro que pensa que pode comprar tudo e todos, por isso ela ficará suspensa, aguardando o momento propício em que meu inconsciente vai querer mexer nesse assunto de novo.